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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

'A prática conduz a perfeição' - entrevista com Sri K Pattabhi Jois

Por Sunaad Raghuram / Traduzido por Fábio Furtado
(originalmente publicadas por NTmarpa Magazine e constantes, sob permissão, do livro Suyanamaskara, de Sri. K. Pattabhi Jois, 2005)

Sunaad Raghuram: O senhor poderia por favor falar-nos sobre o significado do Surya Namaskara e sua importância para a prática do yoga?

Sri K. Pattabhi Jois: Não existe Ashtnga Yoga sem Surya Namaskara, que é a suprema saudação ao Deus Sol. Na filosofia hindu, o Sol é entendido como o doador da vida, o protetor de todas as formas de vida nesta Terra – aquele que ministra a saúde, pode-se dizer – e aquele que ilumina o intelecto. Quando udyanta astamyantaditya abhidyn kurvan brahmano vidvn sakala bhadra asnute [aquele que é sábio, o que conhece, obtém a completa excelência ao prestar reverência ao Sol nascente e poente] é recitado durante os Surya Namaskra, este shloka sânscrito tem um efeito direto sobre o sistema nervoso e auxilia na purificação não apenas do sangue mas também da mente. É por isso que os Surya Namaskara devem ser feitos uma vez de manhã e outra no fim da tarde. Se são feitos corretamente, ou seja, ao mesmo tempo que o shloka acima é mantido sempre no fundo da mente (orig.:“in the back of de mind”), então encontrar-se-á um estado mental pelo qual o que quer que você pense irá acontecer. Este estado elevado, no qual a concentração foi, até o máximo, alcançada, conduzirá também à força mental e física, assim como a um longo caminho no sentido de auxiliar na realização do que quer que você tenha trazido para fazer na vida.

SR: O senhor falou em outro momento do AruJa Prashna como um texto em que o Surya Namaskra é ensinado. O que é exatamente o ArJa Prashna?

SKPJ: O ArJa Prashna é uma oração pedindo a Deus para que se chegue a um alto grau de concentração mental, que é a base de todas as buscas terrenas de natureza divina. No KBLJa Yajur Veda, há um mantra que diz:

bhadraR karJebhiN shrnuyTma devTN
bhadraR pashyemTkLabhir yajatrTN
sthirairangais tuLFuvTguRsas tanXbhiN
vyashema devahitaR yadTyuN
svasti na indro vBddhashravTN
svasti naN pXLT vishva vedTN
svasti nas tTrkLyo ariLFanemiN
svasti no bBhaspatir dadTtu

Esta é a abertura do AruJa Prashna, um longo mantra relacionado ao deus Sol. O termo aruJa denota o momento do dia quando o Sol ascende no Leste, banhando o mundo com seus reflexos laranja e bronze. A crença hindu é que o deus Sol sobe em sua carruagem puxada por cavalos e cavalga pelo céu. No mantra, as palavras bhadra karJebhiN shrnuyma devTN pedem ao deus Sol que conceda ao suplicante uma mente que permita que apenas boas coisas sejam ouvidas; possam apenas boas coisas pousarem em meus ouvidos, Oh Senhor, reza. O mantra então roga a Deus – bhadraR pashyemTkLabhir yajatrTN – pela oportunidade de ver apenas boas coisas, e não coisas maléficas. Em seguida vem sthirairangais tuLFuvTguRsas tanXbhiN, com este apelo: Oh, Senhor, por favor faça o meu corpo forte e firme, para que eu possa ter o poder de falar apenas coisas auspiciosas e divinas, e faça com que minhas palavras não oscilem em valor. Depois vem vyashema devahitaR yadTyuN, que significa: Oh, Senhor, dê-me uma vida longa, para que eu possa louvar as Tuas virtudes para sempre. Quando criança, minha mente não tinha maturidade para pensar em Deus; em minha juventude, eu estava preocupado com questões familiares; ao dormir, sou completamente abstraído deste mundo; assim, para o que quer que permaneça da minha vida, por favor me conceda todas as oportunidades possíveis para pensar em Ti e para cantar as Tuas glórias. O mantra então segue pedindo a Deus por longevidade, por um corpo livre de doenças, tranqüilidade da mente, poderes de concentração, a habilidade de ter pensamentos profundos e não ficar oscilante em todos os momentos, e pela capacidade de manter um perfeito equilíbrio entre o corpo e a mente. O ArXJa Prashna é constituído de 133 anuvTkas, cada um consistindo de dez frases. Cada uma dessas frases pode ser sincronizada com um vinyTsa, e o resultado é que um anuvTka equivale a um SXrya NamaskTra. Mas, ao fazer o SXrya NamaskTra, você não deve recitar estes mantras verbalmente, já que isso pode alterar o seu ritmo respiratório. Em vez disso, pede-se apenas que você lembre do mantra no fundo da sua mente (orig.: “in the back of your mind”). Desta forma, a prática é mais uma dhyTna que uma recitação de fato. E esses são os mantras associados ao SXrya NamaskTra “A”. Para o SXrya NamaskTra “B”, há outros mantras, do Ag Veda, que continuam, mas eu não conheço muito sobre eles. Um mantra, entretanto, é hBdrogam mama sXryaN harimTnTR ca nTshaya, que significa que quem quer que esteja sofrendo com preocupações no coração terá seus problemas eliminados se fizer SXrya NamaskTra. A palavra ari significa inimigos e é uma referência aos arishadvargas, que são os seis inimigos que estão dentro de todos nós. Neste ponto, eles não são inimigos externos. De fato, os inimigos externos nascem dos arishadvargas, dos inimigos internos, de maneira que aquilo que temos dentro de nós, aquilo que nosso coração diz, é o que somos forçados a ver no mundo externo. Como um inimigo se torna um inimigo? Um inimigo interno aparece como um inimigo externo. E são estes inimigos – kTma (desejo), krodha (raiva), lobha (ganância), moha (ilusão), mada (orgulho), mTtsarya (inveja) – que os mantras se propõem a destruir. Se todos os seis são destruídos com sucesso, então as doenças do coração [hBdaya-roga] desaparecerão. Há outro mantra que declara:

yad yad pashyati cakshXrbhyTm tadTtmeti bhTvayet
yad yad shBJoti karnTbhyTm tadTtmeti bhTvayet

Isto significa que uma das mais importantes bases do ALFTnga yoga é a habilidade de ver a vontade de Deus por tudo à nossa volta, tanto nas formas animadas como nas inanimadas. O que quer que você veja, ele diz, isto é na verdade o seu próprio Si-Mesmo interior; o que quer que você ouça, isto também é o seu próprio Si-Mesmo interior.

SR: O senhor poderia nos dizer o que são os métodos de recitação samantrika e amantrika?

SKPJ: Ao se buscar a divindade, conforme a representação em diversos textos hindus, há dois métodos concernentes à recitação. Um é samantrika e o outro, amantrika. Samantrika significa “com mantras”; amantrika, “sem mantras”. Samantrika diz respeito à prática de rituais acompanhada dos mantras relacionados. Tais mantras devem ser recitados com a entonação correta, no tom exato e com o usual fluxo de palavras e pronúncia – e todas estas prescrições devem ser seguidas a todo custo. Se não for assim, o significado de uma recitação perder-se-á, e o mantra pode muito bem acabar assumindo um sentido completamente diverso. Casos assim são comuns na mitologia hindu. Quanto a amantrika, refere-se neste caso primeiramente à recitação de todos os shlokas PurTJa, e então à realização de SXrya NamaskTra. Neste ponto, o sentido do ArXJa mantra e dos shlokas PurTJa é o mesmo, exatamente o mesmo: aqueles que estão aptos a usar os mantras, como sacerdotes e afins, podem fazê-lo samantrika, ao passo que aqueles que não estão aptos podem recitar os shlokas PurTJa; ambos são equivalentes em termos de significado. Evidentemente, nem todos possuem treinamento formal nos vários aspectos dos Vedas. Mas aqueles que não receberam treinamento formal estão tão autorizados a invocar Deus quanto os que foram iniciados. E os que não têm como recitar os vários mantras de acordo com as regras dos textos podem usar o método amantrika. O método amantrika abrange todos os shlokas que não requerem um padrão fixo de entonação, incluindo o Sditya HBdayam, que entra nesta categoria.

SR: Como uma oração como o Sditya HBdayam é tradicionalmente usada?

SKPJ: Tradicionalmente, orações como essa são aprendidas de cor, e então cantadas. Depois de cantadas, SXrya NamaskTra pode ser feito, seguindo-se os vinyTsas relativos aos sistemas de respiração. Todos os efeitos associados aos mantras estão contidos na respiração. Ao respirarmos, uma inspiração normalmente é seguida por uma expiração. Podemos pensar nisto como o completamento de um mantra. Há um tipo de poder denominado vTyu que existe na respiração, e este é o poder que está nos mantras também. Se você não respira, não consegue cantar os mantras nem dizer os shlokas. Sem a respiração, de fato, como você poderia dizer qualquer coisa? Assim, um mantra deve se confundir com a própria respiração, e este é o motivo pelo qual a respiração deve ser mantida igual – prTJTpTnau samo’ kBtvT nTsTbhyantaracTriJau [BG v. 27]. A inspiração e a expiração devem ser a mesma coisa – é isto o que diz a Bhagavad GitT. Se prTna e apTna são iguais, então os mantras virão corretamente. Se não, eles não acontecerão.

SR: Qual a origem do Sditya HBdayam?

SKPJ: O Sditya HBdayam é uma oração famosa encontrada no RTmTyaJa. No clímax deste épico, uma feroz batalha se desenvolve entre RTma e RTvaJa. RTma, cujas flechas vez após vez atingiram o alvo, acertara a cabeça de RTvaJa não apenas uma, mas muitas e muitas vezes. Mas, a todo momento, as cabeças voltavam, e RTvaJa não morria. A razão disso era que a retidão da esposa de RTvaJa, MandodarV, tida por todos como uma pativrata, uma mulher de grande virtude, estava protegendo a sua vida. Ao perceber isso, RTma surpreso já não sabia o que mais poderia fazer. É quando Agastya, um sábio de grande entendimento, vem em seu socorro. Ele diz a RTma que, antes de tirar a seta da aljava almejando RTvaJa, ele deveria recitar o todo-poderoso Sditya HBdayam. Isto diminuiria a força da proteção de MandodarV, disse o sábio, e deixaria RTvaJa vulnerável. Desta forma, RTma recita o Sditya HBdayam, conforme a indicação de Agastya, e, por causa da recitação, consegue alcançar um alto grau de concentração mental. Como resultado, sua flecha atinge o alvo e ele tem sucesso em matar RTvaJa no campo de batalha.

SR: Por que na Índia, onde há tantos templos dedicados a tantos deuses e deusas, existem tão poucos dedicados ao Deus Sol?

SKPJ: O Sol, como todos nós o conhecemos, é a base da nossa vida neste planeta – a totalidade do ser e a finalidade absoluta da nossa existência. Sem este calor benevolente e doador de vida, nenhuma forma de vida poderia existir. São os raios do Sol que nos mantêm vivos, especialmente os que conferem calor e aconchego no fim da tarde. O Sol, como um Deus, é onipresente em nossas vidas; o vemos fisicamente, com nossos próprios olhos, a cada dia. Mas os outros deuses são diferentes. São invisíveis aos olhos humanos, de modo que templos são consagrados a eles e as suas imagens podem ser veneradas. O Sol entretanto é visível a nós, e é por isso que não há tantos templos dedicados à sua adoração.

SR: Como o vayu, assim como o canto, pode vir a beneficiar Surya Namaskara?

SKPJ: Vayu, o poder sutil da respiração, é a verdadeira epítome de Deus. De fato, vayu é o próprio Deus. Assim, quando uma pessoa respira, Deus está trabalhando. Como você sabe, sem o poder da respiração, o corpo humano morreria. Os shastras reconhecem este fator vital e concordam quanto à importância toda que merece. A razão por que a respiração correta é vital para a prática do yoga é que ela faz com que você seja capaz de acalmar a sua mente e permite que bons pensamentos a permeiem. Sem isso, sobrevirá a desorientação da mente e os padrões respiratórios serão seriamente afetados. Toda a base de uma respiração correta é assegurar um perfeito estado mental, ou seja, uma mente que não seja agitada, raivosa ou instável. A Bhagavad GitT, que a tudo abrange, explica a importância de uma respiração uniforme, como mencionei anteriormente. Desta forma, se você inspira por dez segundos, por exemplo, deve também expirar durante este mesmo período de tempo. Isto assegurará a manutenção do equilíbrio do corpo. Antes de concluir, entretanto, eu gostaria de reforçar mais uma vez que o yoga é para todos – homem, mulher, jovem, velho, com saúde ou enfermo. É tudo uma questão de se ter uma inclinação para o yoga. Preguiça ou falta de interesse são as únicas coisas que se interpõem no caminho da sua prática, nada além disso. Esta é uma verdade universal.

Tradução: Ujjayi Yoga
Rua Paracuê, 387 – Sumaré – São Paulo (SP) – Brasil.
Telefone: (11) 3864-8889
Website: www.ujjayiyoga.com.br

Fonte: YogaSP.com